Resenha | As Brumas de Avalon – Marion Zimmer Bradley
Sabe aquela história que desperta a sua curiosidade há tempos, mas sempre acontece alguma coisa que te impede de ler? Como por exemplo, ser extremamente difícil encontrar as edições físicas da obra, mesmo em sebos? Durante muito tempo, foi assim com As Brumas de Avalon. Até que no final do ano passado, eu me deparei com a arte divulgada pelo artista Simonetti, falando sobre a nova edição que seria lançada aqui no Brasil. Foi o suficiente para me empolgar e me fazer parar com as buscas. Em novembro, a editora Planeta lançou uma única edição com os 4 livros (um calhamaço delicioso), em capa dura, com uma ilustração linda e a edição bem caprichada, como um clássico da fantasia merece.
As Brumas de Avalon reconta a lenda Arturiana sob o ponto de vista exclusivo das mulheres, explorando o lado mágico e mitológico da história. Uma das figuras centrais da trama é a famosa Morgana das fadas, filha de Igraine, irmã da Senhora do Lago de Avalon, e Gorlois, duque da Cornualha. Ela também é a meia irmã de Artur, que nasceu do casamento posterior de Igraine com Uther, o rei Pendragon. Morgana, na qual quase sempre é representada como uma personagem obscura e má, ganha voz e mostra a sua compreensão das coisas, sua luta para manter viva as suas crenças, e como é mal interpretada por isso. Com uma personalidade afiada e um tanto irônica, Morgana erra e acerta diversas vezes, mas nunca desiste do que acredita.
“Em meu tempo, fui chamada de muitas coisas: irmã, amante, sacerdotisa, sábia, rainha. Na verdade, eu me tornei, sim, uma sábia, e pode chegar um tempo em que essas coisas devam ser conhecidas. Mas, sinceramente, acredito que serão os cristãos a contarem a última história. Cada vez mais o mundo das fadas se afasta do mundo sobre qual o Cristo estende seus domínios”.
Outras personagens que ganham bastante destaque durante a narrativa são Igraine, Viviane (A Senhora do Lago), Morgause e Gwenhwyfar. A história acompanha a perspectiva das mulheres, mas você também fica por dentro dos principais acontecimentos e feitos de Artur e seus cavaleiros da Távola Redonda. Porém, essa não é a proposta do livro, a proposta é apresentar o arco das mulheres e da magia. Algo interessante sobre os personagens é que eu amei e odiei todos eles. A autora teve a sensibilidade de apresentar tantas facetas de cada um que os tornou muito reais. Por mais que seja um personagem no qual você não gosta e não se identifica (Gwenhwyfar, cof cof), você é capaz de compreendê-lo e temer por ele em determinados momentos.
A narrativa de Marion Zimmer Bradley é simples, mas ao mesmo tempo profunda, por isso precisa ser lida com calma e dedicação para absorver a história. Me senti encantada pelos aspectos e o misticismo que cercavam Avalon. A descrição dos rituais é tão intensa que você se sente impactado e fazendo parte de tudo aquilo.
“Jamais esqueceria a primeira vez que viu Avalon, ao entardecer. Relvados verdes desciam até a beira dos juncos, ao longo do lado, e cisnes deslizavam, silenciosos como o barco, sobre as águas. Nos bosques de carvalhos e macieiras, havia uma construção baixa de pedra cinzenta, e a menina pôde ver formas vestidas de branco a caminhar lentamente, ao longo de um caminho cercado de colunas. Podia ouvir também, muito suave, a música de uma harpa”. ㅤ
O grande conflito da história se dá entre os choques das religiões e dogmas da época. De um lado, temos as culturas do paganismo matriarcal. Do outro, o crescente cristianismo patriarcal. Não vou negar, ouve grande relutância da minha parte em aceitar a ideia imposta pelo cristianismo, que chega para dominar e impor o seu Deus como verdade absoluta, denegrindo os deuses de outras culturas. Mas é possível enxergar os pontos positivos e negativos de cada dogma, principalmente através das palavras de Taliesin, o Merlim da Bretanha e um dos meus personagens favoritos, aliás. Ele é incrivelmente capaz de conectar e apresentar as semelhanças entre as doutrinas, sem desmerecer uma para eleger a outra.
O livro é muito bem dividido e distribuído em 4 partes, o que seriam os 4 livros nas edições anteriores. O início foi muito empolgante, apresentou um background importante para a história, mostrando que as maquinações de Avalon para salvar o seu povo eram tão importantes quanto estratégias de guerra contra os saxões. Entre o final do livro 2 e a metade do livro 3 eu li de forma frenética. Aconteceram coisas que me deixaram chocada, me fizeram vibrar pela história e também desmoronar. Para mim, a parte mais interessante da história está dentro desse meio. Depois, ela decaiu um pouco e atinge um equilíbrio, elevando-se novamente e apresentando um ótimo final, que provocou um misto de sentimentos agridoces.
Quase no final do livro descobri algo que infelizmente apagou um pouco o brilho da obra para mim. Quase que por acaso, topei com as acusações que a filha de Marion Zimmer Bradley fez contra sua mãe em 2014. Foram acusações graves sobre abuso, denúncias que chocaram a maioria dos fãs das obras de Marion, alguns deles autores renomados que se inspiraram no clássico para criar suas histórias. Para quem não sabe, Marion morreu em 1999 aos 69 anos.
Depois que descobri isso, dei um tempo e me afastei um pouco da história, tentando assimilar como lidar com esse tipo de situação e não deixar que isso influenciasse na leitura. Após um momento, retornei e finalizei o livro, mas não vou mentir que foi a mesma coisa. Fiz o possível para avaliar a obra, mas não sou uma leitora de ferro. Foi extremamente difícil tentar separar obra e autor, e acredito que só consegui concluir a leitura porque já estava prestes a finalizar. Por esse motivo é que não poderia deixar isso passar em branco por aqui, não quando foi algo que mexeu tanto comigo. Preciso enfatizar que é importante você saber disso e que recomendo este livro com grande ressalva – porque até mesmo eu não tenho certeza se o leria se soubesse dessas acusações antes.
Contudo, As Brumas de Avalon abriu as portas para a descoberta de uma lenda no qual eu já tinha conhecimento (afinal, quem nunca ouviu falar na lenda do Rei Artur?), mas que não era muito profundo. Agora me senti instigada a conhecer outros pontos de vistas e recontos da história. Minha próxima parada será em As Crônicas de Artur, de Bernard Cornwell.
As Brumas de Avalon é uma obra que encantou e continua encantando gerações. Um verdadeiro clássico da fantasia que inspirou várias histórias e merece toda a notoriedade que tem. Ouso dizer que ela traz uma experiência de leitura exclusiva e especial às mulheres, porque nos sentimos representadas, não só no que diz respeito à virtude e conhecimento feminino, mas também porque ela mostra a perspectiva de mulheres fortes e poderosas dentro de uma história popularmente conhecida por seus grandes heróis masculinos.
Exemplar cedido em parceria com a editora.
Título: As Brumas de Avalon
Autor: Marion Zimmer Bradley
Tradução: Marina Della Valle
Editora: Planeta de Livros
Ano: 2017
Páginas: 968
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SINOPSE: Grande clássico da literatura mundial retrata a mítica história do rei Artur a partir da perspectiva de mulheres mágicas e poderosas. Por séculos, as lendas arturianas povoaram o imaginário de leitores de todo o mundo. As Brumas de Avalon é considerado por muitos a versão literária definitiva do mito e muitas gerações de mulheres se deixaram arrebatar pela escrita envolvente de Marion Zimmer Bradley. Pelos olhos de mulheres complexas e poderosas como Morgana das Fadas, Viviane, a Senhora do Lago, Igraine, Morgause e Gwenhwyfar, os reinos de Camelot e de Avalon são revisitados neste clássico, repleto de magia, sensibilidade e intrigas. Uma releitura monumental das lendas arturianas…
Jéssica Burgos
Olá Gisele,
Gostei muito da sua resenha! Ainda não tive a oportunidade de ler a obra pois, assim como você, tinha dificuldade de encontrá-la, espero adquirir nesta edição completa e caprichada também.
Infelizmente, também li as acusações feitas pela filha da autora, e isso me deixou chateada, entretanto, por se tratar de um clássico acho que sua leitura seja válida.
Abraços!
Jessica Rabelo
Oii Gisele.
Minha amiga Keth sempre me recomendou este livro que realmente parece fantástico. Eu amo fantasia e amo história de modo que o casamento das duas coisas me deixa fascinada. Além disso, essa edição esta perfeita de mais.
Beijos.
Gisele Lopes
Oi Jess! Realmente, essa edição está arrasany rs. Então acredito que você adoraria o livro. Beijos <3
Viviane Almeida
Olá Gisele, tudo bem?
Eu consegui comprar ano passado as edição antiga desse livro, mesmo sabendo que seria lançada essa em capa dura, mas a verdade é que não gostei da capa do livro..rs! Eu tenho sérios problemas com capas que possuem o rosto dos personagens nela, eu acho que estraga a imaginação que eu faria.
A sua resenha ficou super interessante, mesmo eu já tendo data marcada para iniciar a leitura do livro, fiquei mais curiosa ainda para conhecer a história.
Beijos e abraços
http://vickyalmeida.blogspot.com.br/
Gisele Lopes
Oi Vicky. Eu também tenho problemas com capas com rostos, mas gosto de ilustrações, achei essa edição muito bonita. Ah, sorte a sua que conseguiu as edições antigas, porque por um bom tempo eu procurei e nada, rs. Espero que goste da história, adoraria saber o que achou dela. Beijos.
Amor pelos Livros
Oieee,
Resenha fantástica, parabéns! Sempre tive curiosidade em ler esses livros e estava super empolgada com sua resenha mas confesso que, assim como você agora não sei se leria a obra. Por conta das acusações contra a autora, minha professora de literatura infantil sempre dizia que cada autor coloca em sua obra parte de sua ideologia, naquilo em que ele acredita, então sinto essa contradição quando ela escreve sobre mulheres fortes, poderosas e agia dessa forma com a filha… sei lá, meu pensamento pode estar errado, não sei. kkkkkkk, acredito que não lerei mais. kkkkkkkkk
Gisele Lopes
Olá! Então, isso faz muito sentido. Acredito que o autor sempre coloca um pouco de si dentro da sua criação. Por esse motivo é que não conseguiria ler o livro se soubesse disso antes. Eu interpretaria as coisas de outra forma, até mesmo poderia encontrar problema onde não tem. Não seria justo.
Eloise
Oi Gisele,
Adorei tua resenha, conheço essa história pelo filme e sempre quis ler o livro.
Sobre a questão da autora é complicada mesmo. Alguns meses atrás descobri que um autor e desenhista de um mangá que eu adorava foi acusado de pedofilia. Nunca dá pra conhecer realmente as pessoas. Mas, ainda tenho interesse de ler esse livro, também fiquei curiosa sobre toda essa situação envolvendo a autora, vou pesquisar mais, apesar que tem que ver se a filha não quis ganhar em cima da fama da mãe haha (isso, infelizmente, também acontece).
Bjokas da Elo!
http://cronicasdeeloise.blogspot.com.br/
Gisele Lopes
Oi, Elo! Pretendo assistir o filme muito em breve. Estou ainda mais fascinada pela história do Rei Artur, então quero ler e assistir tudo sobre isso hahaha. É verdade, essa é uma situação extremamente complicada. A filha até falou que demorou tanto para se pronunciar por medo de magoar os fãs das histórias da mãe. :/ Beijos.
Viviane Ferreira Oliveira
Eu admito que sempre quis ler pq tem personagem com meu nome… hahaha MAs realmente a dificuldade em achar exemplares me limitou tb.
Gostei da sinceridade em relatar o que aconteceu no meio da leitura Gi, acredito que essas coisas nos influenciam sim, mas nesse caso não me impedem de ler a obra não, até pq a autora já faleceu e nunca saberemos sua versão não é mesmo :/
osenhordoslivrosblog.wordpress.com
Gisele Lopes
Oi Vivi! Eu me senti muito em conflito com essa informação também, porque o fato dela já ter morrido dificulta tudo. Então não soube muito bem como encarar. Enfim, sinceridade sempre (muito obrigada pelos conselhos, aliás haha) <3 E a Viviane é uma das melhores personagens, serião. Me avisa se você ler, vou adorar saber a sua opinião sobre a história. Beijos.
fabiely
Aa que obra linda! adoro esse universo sobrenatural, e sempre ouço elogios a esse enredo. Confesso que nunca li nem vi o filme, e fiquei um pouco frustada devido ao fato que citou sobre a autora, mais com tudo parece ser super interessante, algo que merece ser lido.
Amei as fotos <3 beijo
Gisele Lopes
Olá, Fabi! Muito obrigada, fico feliz que tenha gostado. <3 Se você gosta desse universo, vai curtir bastante essa história. Beijos.
Clube do Farol
Não sabia sobre as acusações que a filha fez contra a autora :(. Te entendo sobre ser difícil continuar a ler, porque, muitas vezes, fica difícil separar a obra do autor :(.
Quando eu era novinha, eu era doida pelo Rei Arthur (antes de começar a vida de leitora), mas depois essa fixação passou, e acho que nem li nenhum livro sobre isso. Mas agora quero ler algum :). Talvez não esse, que apesar de ser clássico e parecer muito bom, não sei se conseguiria gostar depois de saber das acusações :(.
Parabéns pela resenha!
Bjo
~ Danii
Gisele Lopes
Ah, é complicado né? 🙁 Juro que me esforcei para tentar separar, e acredito que até tenha conseguido um pouco, por conseguir avaliar a obra depois de ter finalizado. Mas se soubesse antes de iniciar a leitura, tenho certeza que a experiência seria diferente e não iria ser algo positivo. Enfim, já ouvi falar muito bem das Crônicas de Artur, do Bernard Cornwell. Será uma das minhas próximas paradas 🙂
Joyce Santos
O Quê???
Eu li direito produção??
968 páginas???
Nunca li um livro com tantas páginas assim, na verdade tenho preguiça kkk.
Eu assisti ao filme, já faz tempo, e quando assisto o filme, dificilmente leio o livro.
Acho que me sentiria como você se descobrisse algo do tipo, te entendo perfeitamente.
Bjus e boa semana.
Gisele Lopes
Oi Joyce! Isso mesmo, 969 páginas <3 Eu sou suspeita pra falar, porque amo um bom calhamaço hahaha.
Pietra Melchionna
Olá!! Acho muito interessante esse livro único, já li o primeiro livro separado e preciso ler os outros, mas tenho medo deste livro único cortar partes ou mudar o vocabulário para algo mais moderno, tenho interesse em cada partezinha da história antiga. Você sabe se muda? Obrigada!
Elen Rebeca
Muito obrigada pela partilha da resenha Gisele. Queria muito que quem compartilha conteúdos de resenhas de livros, filmes e séries tivesse a honestidade na crítica que você teve. Fui no google pesquisar saber mais sobre as Brumas de Avalon, pois estou em uma saga lendo a Trilogia das Almas, de Deborah Harkness, finalizando o terceiro livro, e uma amiga falou que eu deveria me inspirar a ler Avalon. Por conta de sua partilha, ja vou acessar a obra de outra forma. E por cá fica ai a indicação da trilogia de Deborah também. Acredito que você pode gostar.
Uma outra contribuição, caso queira acolher, é sobre o termo “denegrir”. Ele foi ressignificado com tempo, ao passo da identificação de como o Racismo se estrutura em diversas dimensões da vida social, e uma dessas formas é a partir da palavra. O termo denegrir quer dizer em síntese deixar mais escuro, deixar negro, logo carrega um contexto social na palavra de que isso é ruim, de que ser negro é ruim. Por isso, estamos em processo de deixar o uso dessa palavra para esse contexto, apenas para usa-la se for para aplicar em contexto positivo, exemplo – vamos denegrir o pensamento! Faz parte da luta do combate ao racismo.
Bom é isso!
Gratidão pela partilha, abraços fraternos!
Artur
Eu terminei de ler essa noite. E Amei o livro, devorei a história. Mas o final não me deixou satisfeito 🙁 **SPOILER*** – Depois que Lancelote e Gewn fugiram, nada foi mostrado sobre o confronto de Gywdion e Artur. E Nem como Lancelote retornou e fez as pazes com o rei. E depois, não tivemos detalhes de como se desenrolou os fatos até Artur e o filho finalmente se enfrentarem até a morte. O que seria o ponto alto da história. E nem sabemos que se tornou rei, depois da morte de Artur. Isso me tudo, me decepcionou.
Gisele Lopes
Oi, Artur! Ahh que saudades dessa história! <3 Vi que a história é composta por outros livros que a editora Planeta já lançou, inclusive. Só não sei se o foco continua sendo a Morgada/Rei Artur, ou se as perspectivas mudam.