Resenha | O Poder, Naomi Alderman

Desde quando li a sinopse de O Poder, várias coisas que poderiam acontecer nessa história me vieram à mente. De fato, tudo o que imaginei – ou algo bem próximo – aconteceu logo nas primeiras páginas, e o que veio depois acabou me surpreendendo bastante. O livro de Naomi Alderman, que também foi eleito um dos 10 melhores livros de 2017 pelo NYT, é verdadeiramente chocante, perturbador e sobretudo poderoso.

O livro se inicia em uma estranha troca de e-mails entre Neil e Naomi. Não se desespere, é normal se sentir confuso nessa primeira parte, porque pouca coisa que é dita nessa conversa faz sentido. Neil pretende apresentar o seu manuscrito à Naomi em busca de um aval, já que ele a estima muito por seu trabalho. Naomi se mostra um tanto receosa com a proposta da história, mas decide ler mesmo assim. É aí que temos início à trama principal, denominada como O Poder.

Essa história é apresentada dentro de um contexto histórico muito próximo da nossa realidade, mas aos poucos as coisas começam mudar. Essa transição se inicia no Dia das Meninas, quando garotas de aproximadamente 15 anos desenvolvem um poder atípico – a trama – capaz de gerar choques. As garotas começam a aperfeiçoar esse poder eletrostático e descobrem que também podem despertar isso em mulheres mais velhas. Sendo assim, a maioria das mulheres são capazes de desfrutar desse poder e eletrocutar, infligir dor, torturar ou até mesmo matar outra pessoa.

É nesse cenário que conhecemos Allie, Roxy, Margot e Tunde. Allie é uma órfã que já viveu em diversos lares diferentes. Os seus atuais pais adotivos, aqueles que se dedicam tanto à igreja e a religião, não são nada do que aparentam. Roxy é filha de um traficante poderoso, mas vê a mãe pagar com a própria vida pelos erros do pai. Já Margot é uma prefeita com muitos anseios, mas diversas vezes suas ações são barradas pelo governador. Em contrapartida também temos Tunde, um jovem aspirante à jornalista. A partir do dia fatídico, começamos a acompanhar cada um desses personagens localizados em diferentes partes do mundo, porém, em algum momento vemos os seus caminhos se cruzarem.

A primeira parte da história foi eletrizante, e não vou negar, satisfatória. A sociedade começa a se transformar gradativamente, à medida que as mulheres adquirem e passam a usufruir do seu poder. Visualizamos a garota que sofria abusos sexuais do padrasto se defender. Escravas sexuais podendo se libertar e retaliar todo o sofrimento causado. Diversas tipos de atrocidades começam a receber uma resposta à altura.

“Ensinaram a vocês que vocês não são puras, não são sagradas, que seu corpo é impuro e jamais poderia abrigar o divino. Ensinaram vocês a desprezar tudo o que são e a ter um único desejo, o de ser homem. Mas o que ensinaram a vocês são mentiras“.

O Poder apresenta um espelho da nossa realidade, onde as situações se invertem. Os homens começam a temer as mulheres. Preferem não bater de frente. Não andarem sozinhos a noite. Não encarar um beco. Mas onde ficam os seus direitos por segurança? Os seus direitos de autopreservação? Você, mulher que lê esta resenha, se sente familiarizada com essa sensação? Por outro lado, imaginem um mundo onde as mulheres são eleitas como líderes políticas por causa de toda a sua força e vitalidade. A polícia ou o exército é composto, em sua maioria, por mulheres. As principais deidades religiosas são representadas por figuras femininas.

À medida que a história avança, aquele sentimento de satisfação começa a pesar e algo perturbador o substitui. Quando você pensa que já compreendeu tudo, a autora é capaz de ir muito mais além e a história ganha proporções surpreendentes. É angustiante presenciar tantas atrocidades, porém nada aqui é novo. Agora são os homens que se veem numa situação mais delicada e sofrem diversos tipos de crueldades.

“Não precisamos perguntar o que eles fariam se estivessem no controle. A gente já viu. É pior do que isso”.

Confesso que me senti um tanto receosa com o ponto de vista de Tunde. Essa é uma história sobre mulheres, o que esse cara faz aqui? Mas eu estava errada sobre isso, porque com o passar das páginas compreendi qual era o papel dele. Conforme a sociedade se transforma, é incrível como passamos a ter empatia por Tunde, porque tudo o que ele passa é transmitido de forma muito intensa. As situações constrangedoras, seus traumas e medos, é exatamente o que nós mulheres passamos no mundo real.  O que é mostrado aqui é a necessidade de se ter um equilíbrio, independentemente de quem está no controle. Aliás, é aqui onde mora uma das principais questões do livro: a forma com que lidamos com o poder.

“O poder tem um comportamento próprio. Ele age sobre as pessoas, e as pessoas agem sobre ele”.

Encontrei alguns problemas com relação à narrativa, porque ela apresenta as situações de forma superficial e por consequência disso demoramos a nos conectar com os personagens. Algumas partes do livro foram um pouco lentas, então acredito que ele também poderia ser um pouco mais enxuto. Porém, passando da metade do livro, comecei a me acostumar com a escrita da autora e desconfiei de que até mesmo isso fosse proposital. Talvez ela quisesse nos dar olhos para enxergar as situações, mas não entregar o protagonismo a eles, porque o verdadeiro protagonista aqui é o próprio poder.

O modo como a história central termina me deixou um tanto frustrada, mas quando nos aproximamos do desfecho as trocas de e-mail entre Neil e Naomi voltam e as coisas finalmente começam a ter mais lógica. As últimas páginas são tapas atrás de tapas, e na última fucking frase do livro eu surtei. Fiquei ainda mais chocada, tentando assimilar as coisas e ao mesmo tempo com vontade de reler tudo outra vez, porque de repente tudo fez sentido, e o final se tornou muito mais digno.

O Poder é um livro inteligente, e Naomi foi extremamente minuciosa ao construir sua história. Então, independentemente se você é mulher ou homem, deveria dar uma chance a essa história incrível e necessária.

Exemplar cedido em parceria com a editora.


O PoderTítulo: O Poder
Autor: Naomi Alderman
Tradução: Rogério Galindo
Editora: Planeta de Livros
Ano: 2018
Páginas: 368
Skoob | Goodreads | Amazon

SINOPSE: O que você faria se tivesse o poder em suas mãos?
Em um futuro próximo, as mulheres desenvolvem um estranho poder: elas se tornam capazes de eletrocutar outras pessoas, infligindo dores terríveis… até a morte. De repente, os homens se dão conta de que não estão mais no controle do mundo.
“Jogos vorazes encontra O conto da aia.” (COSMOPOLITAN)
“Um olhar fascinante no que o mundo poderia ter se tornado se o sexismo dos últimos milênios tivesse tomado rumos diferentes. Engenhoso… merece ser lido por todas as mulheres (e, claro, por todos os homens).” (THE TIMES)
“Um romance envolvente, que nos obriga a encarar uma distopia que já existe… e que está entre nós há séculos.” (MICHAEL SCHAUB, NPR)

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7 Comments

  1. Jessica Rabelo

    Oii Gisele.
    Me encontro impactar pela força de O Poder.
    Ultimamente tenho andado confusa sobre a verdade da sociedade em que vivemos. É inegável dizer que ainda temos uma sociedade patriarcal, que não dá direitos e deveres as mulheres quebrando-as por fatores biológicos para controla-las pelo simples fato que sem nós, a mesma sociedade está condenada ao esquecimento.
    Mas mesmo assim, também tenho visto muitas mulheres, em nome desses direitos serem tão desprezíveis quanto os homens que o retiram delas.
    Aí você com uma resenha esmagadora que não somente mostra que o mesmo trajeto tem duas vias, mas o que a luta feminina – de femismo – está se tornando. Eu fico intrigada, não só pelo fato da verdade que carrega essas páginas, mas na coragem que a autora resolveu mostrar ao escrever sobre isso.
    Fiquei com muita vontade de ler esse livro Gih.
    Vou fazer isso até o final do ano.
    Amei muito sua resenha. Mesmo.

    Blog: Fantástica Ficção

  2. Fernanda Akemi Pedotte

    Oie!!

    Confesso que a capa desse livro não me atraiu muito, mas não vamos julgar pela capa né, rs
    Achei a premissa bastante diferente e ali no finalzinho da sua resenha quando você fala que no final tudo começou a ter sentido, lembrei de alguns livros que li e me senti um pouco frustada, ai quando chegou no final e as coisas ficaram mais claras, minha vontade foi de reler tudo. Acho que esse é bem desse jeito.
    E isso acabou me deixando curiosa, vou anotar essa dica!

    bjs
    Fernanda

  3. Viviane Oliveira

    Confesso que estou chocada só pela resenha e fiquei angustiada de imaginar tal narrativa.
    Acho que ser humano nenhum deve sofrer e não costumo ler livros assim, mas eventualmente insiro eles pra sempre lembrar da natureza humana, até onde pode chegar. Esse parece mesmo uma ótima opção!

    osenhordoslivrosblog.wordpress.com

  4. Eloise GF

    Oi Gisele,
    Cara sério que livro foda, adorei a premissa, o enredo me parece ser muito original e sua resenha tá linda. Esse com certeza será o tipo de livro que quando ler (principalmente as partes tensas) ficarei olhando para a página dele, refletindo e digerindo sobre. Eu amo histórias assim, inteligentes e que entrega um final bombástico. Fiquei muito interessada!

    Será que você me fará comprar mais um livro? Acho que sim hein hahaha
    Bjokas lindona!
    http://cronicasdeeloise.blogspot.com/

  5. Mirelle Almeida

    Oii, Gi!
    Menina, que resenha maravilhosa e impactante. Imagino que se suas impressões sobre a leitura foram assim, imagina o livro. Gostei muito da proposta da autora, inverter os papéis, com certeza é o tipo de leitura que nos faz refletir e que reflete a nossa triste realidade. Apesar da superficialidade, e como você ressaltou talvez foi proposital, parece o tipo de livro que mexe com a gente. Já li livros que no começo parecem confusos, e é preciso ter paciência e ir seguindo que no final tudo faz sentido (ou não, em alguns casos, haha), e em O Poder dá pra notar que o final é mesmo poderoso, haha

    Um beijo

  6. Joyce Santos

    Parece ser ótimo Gisele, nunca tinha visto essa obra. Mulheres poderosas, bem impactante esse termo.
    As personagens parecem fortes e a história bastante angustiante, vou coloca-lo na minha lista infinita.
    Resenha show de bola.
    Bjus e bom domingo.

  7. Jacqueline Vasconcelos

    Oi, tudo bem ?

    Primeiramente tenho que falar que não é só o nome que demonstra : O poder, após ler sua resenha ficou claro o quanto a história é forte e uma ótima indicação. A capa não me atraiu muito, mas te parabenizo pelo fato de o que a capa tirou de interesse visual, você soube triplicar tudo com seu ponto de vista, quotes e os pontos fortes que você encontrou na proposta.

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