Resenha | Medo Imortal, Romeu Martins

A leitura de Medo Imortal chegou em um ótimo momento do ano. Infelizmente, nunca fui muito de me ater nas obras nacionais e nem nas leituras de autores considerados clássicos. E como 2019 é o ano que estou saindo da zona de conforto, digamos que os deuses da literatura ajudaram para esse momento.

Chega a ser vergonhoso, mas dos 13 autores selecionados (que número sugestivo, já que estamos falando de Darkside e sobrenatural), eu conhecia apenas o nosso ilustre Machado de Assis, Bernardo Guimarães e Aluísio Azevedo. Mas além de ter uma experiência totalmente diferente que tive com as obras mais famosas desses autores (Dom Casmurro, Escrava Isaura e O Cortiço), fico contente em ter obtido este primeiro contato com os outros 10.

Como pode se perceber, Medo Imortal é uma antologia de histórias que se dividem entre contos, novelas e alguns poemas, mostrando o lado sobrenatural e do terror que antagonizam muitos dos autores selecionados que ficaram mais conhecidos pelas suas obras que fazem parte dos movimentos literários que eram mais valorizados pelos leitores brasileiros e pela crítica: o Romantismo, Realismo e Naturalismo.  

Entre os autores presentes na obra, estão os doze primeiros imortais da Academia Brasileira de Letras, e a autora Júlia Lopes de Almeida, que por infortúnio de uma época em que a sociedade era mais machista do que os tempos atuais (não estou dizendo que não vivemos mais numa sociedade machista), não teve sua cadeira entre os mais importantes nomes de nossa literatura. Ainda bem que a editora do seu jeitinho e “consertou” esse erro.

Se contei certo, são 35 histórias reunidas aqui. Como ficaria praticamente impossível falar de todas, vou fazer uma abordagem diferente e falar sobre os autores que mais gostei.

Machado de Assis: Com seis ótimos contos e influência da escrita do autor Edgar Allan Poe, Machado mostrou de forma sutil em uma das suas obras mais conhecidas, um pouco do sobrenatural. Se pararmos pra analisar, Memórias Póstumas de Brás Cubas, é narrado por um defunto.  Enfim, meu destaque aqui vai para “A Igreja do Diabo”, em que o dito cujo confronta Deus e o desafia, mostrando que é capaz de criar uma igreja sem as falhas da religião adoradoras a Ele. Se você parar pra pensar o quanto de culto ao capiroto que existe por aí, até que essa história faz um certo sentido!

Humberto de Campos: Poderia deixá-lo por último, para dizer que esse autor foi o que mais me surpreendeu, mas vou seguir a ordem que cada um foi apresentado. Infelizmente, a antologia conta com apenas três pequenos contos de Humberto, mas dois deles são sensacionais. O primeiro, “O Monstro”, nos traz uma pequena trama em que Morte e Dor tentam deixar sua marca na criação do mundo, e criam uma espécie que ao surgir horroriza todas as outras. E “Os Olhos que Comiam Carne”, apresenta um dos maiores temores do ser humano (esse sem dúvida é o meu maior medo) o momento em que uma pessoa fica cega. Esse conto intercala com um temor real de nosso psicológico e um lado científico: pois é apresentado um método cirúrgico capaz de curar a cegueira.

Júlia Lopes de Almeida:  Após concluir o livro, posso dizer que é uma pena que Dona Júlia não pôde fazer parte da ABL por motivos tão medíocres. A contribuição dela em Medo Imortal ocorre do mesmo jeito que Machado de Assis, com seis ótimos contos. Todos dinâmicos, com nuances do horror realista que permeiam nossas vidas e finais impactantes. As histórias vão desde um jardineiro com comportamentos estranhos, uma garota que faz parte da família faraônica com um desejo incessante pelo vermelho, até fatos comumente ocorridos em toda a história das mulheres, como o abuso e assédio que elas sofrem dos homens. E muitas vezes, estes fazem parte do seu próprio lar. 

Após o virar da última página, posso dizer que o sentimento é de satisfação pelo privilégio dessa ótima leitura. Só não darei nota máxima, porque em minha humilde opinião, achei dois autores um pouco enfadonhos. Mas se levar em consideração que curti a maior parte, não há do que reclamar. Valeu, galera.

Exemplar cedido em parceria com a editora.


Medo Imortal

Título: Medo Imortal, Academia Sobrenatural Brasileira de Letras
Organizador: Romeu Martins
Autores: Machado de Assis, Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães, Fagundes Varela, Coelho Neto, Aluísio Azevedo, Afonso Celso, Inglês de Sousa, Medeiros e Albuquerque, Afonso Arinos, João do Rio, Humberto de Campos e Júlia Lopes de Almeida
Editora: Darkside Books
Ano: 2019
Páginas: 464
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Sinopse: O ano é 1897. Estamos nas vésperas da celebração dos oitenta anos de publicação da primeiríssima edição de Frankenstein, ou o Prometeu Moderno, escrito por Mary Shelley. Naquele mesmo ano, outro inglês, H.G. Wells, lança em forma de livro O Homem Invisível e publica os capítulos iniciais de A Guerra dos Mundos em revistas da Inglaterra e dos EUA. Já o irlandês chamado Bram Stoker coloca nas livrarias o livro que viria a mudar sua vida e a história da literatura: Drácula. Do outro lado do oceano, nos Estados Unidos, um garoto de apenas sete anos acabou de escrever seu primeiro conto, que levou o nome de “The Noble Eavesdropper”. H.P. Lovecraft é este escritor americano precoce. Mais ao sul do continente americano, no Brasil, naquele marcante ano de 1897, quarenta intelectuais se reúnem para fundar a Academia Brasileira de Letras (abl), inspirados em um modelo de agremiação de escritores já existente na França desde 1635. Cada um daqueles fundadores escolhe um patrono para nomear a cadeira que vai ocupar, e eles passam a chamar a si mesmos de imortais. A antologia Medo Imortal, mais nova integrante da coleção Medo Clássico da Darkside® Books, vem a público para mostrar que existe mais em comum entre os fatos dos dois parágrafos anteriores do que pode aparentar à primeira vista. Liderados por nosso maior escritor, Machado de Assis, aqueles intelectuais brasileiros são pessoas de seu tempo, conectados com o que estava sendo produzido nos grandes centros culturais do mundo em sua época. Nas páginas de Medo Imortal estão reunidos, além de poesias, 32 exemplares da prosa de escritores diretamente ligados à nossa principal instituição dedicada à literatura. São contos que evocam o sobrenatural, apresentam monstros, descrevem atos de psicopatas, dão o testemunho de todo tipo imaginável de atrocidades concebidas pela mente humana. Produzidos entre a segunda metade do século xix e a primeira metade do século xx, tais textos representam o que de melhor se escreveu nos primeiros cem anos de produção do terror em nosso país. Organizado pelo jornalista Romeu Martins, com ilustrações de Lula Palomanes, a lista de autores para o livro contou com a colaboração de estudos realizados pelos maiores pesquisadores do terror e do insólito das principais universidades brasileiras. São ao todo treze autores, escolhidos entre os patronos, os fundadores e os primeiros eleitos para ocupar os salões da Academia Brasileira de Letras. Entre eles, a Darkside® Books aproveitou a oportunidade de reparar uma injustiça histórica cometida naquele ano de 1897 e traz também contos da escritora Júlia Lopes de Almeida, importante nome de nossa literatura que participou das reuniões para a fundação da Academia mas que na última hora acabou sendo barrada por ser mulher em uma instituição que em seus primeiros oitenta anos só aceitou a presença de homens.

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One Comment

  1. Romeu Martins

    Adorei a resenha e sua escolha dos melhores contos 😉 Obrigado por suas palavras!

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