O que a Revolução dos Bichos nos ensina nos dias atuais?

Algum tempo atrás, quando olhávamos para a história, ficávamos abismados imaginando como a situação chegou até determinado ponto em regimes autoritários. Como as pessoas se sujeitavam a tal coisa? Não houveram contrapontos? Opositores? Por mais que estivéssemos registros reais ou o auxílio da ficção, era difícil acreditar. Na atual situação, no entanto, temos um pouco mais de noção de como o controle foge de nossas mãos. 

Uma das principais motivações de Orwell para escrever sua história foi justamente enxergar como era fácil distorcer uma narrativa, independente de onde ela era concebida. Foi vendo mesmo amigos próximos, dotados de conhecimento e com informação acessível caindo nessa narrativa duvidosa que ele percebeu que o vírus da ignorância é capaz de contaminar qualquer pessoa, independente de seus precedentes. Essa foi a principal causa que o motivou a escrever A Revolução dos Bichos, uma fábula simples e acessível, capaz de provar que a narrativa flui de acordo com os interesses de quem está no poder. 

Na Fazendo dos Animais, os animais estão cansados de serem explorados pelos seus donos humanos. São anos de trabalho duro enquanto os humanos ficam com todos os lucros e privilégios. Aos poucos, o espírito de insatisfação começa a dominar os animais, que liderados pelos porcos, expulsam os humanos da fazenda e começam um novo regime a partir disso, com a finalidade de poderem desfrutar do próprio trabalho, sem exploração. 

A princípio, o regime cooperativo e igualitário funciona. Entretanto, alguns animais começam a sentir a necessidade de reconhecimento, porque são os mais inteligentes, mais necessários. Após isso, também surge a necessidade dos privilégios, porque eles não se sentem mais iguais aos outros animais. Mas os animais, desprovidos de inteligência, não serão capazes de interpretar as exigências. Será necessário uma nova narrativa, capaz de dialogar com a classe inferior e ao mesmo tempo garantir que os privilégios de alguns seja preservada. Depois de algum tempo, não será mais preciso se esforçar com o diálogo, porque só existe uma classe pensante, enquanto a outra, obedece sem ao menos questionar. E caso haja dúvida, o poder já está tão concentrado que é fácil se livrar dela. 

Ok, agora imaginem a Gisele de 28 anos tendo acesso a essa história pela primeira vez agora, em 2021. Foi um choque, por inúmeros motivos. O primeiro, ao identificar diversos elementos equivalentes ao qual estamos passando. Mais do que choque, o medo de estar ciente de como as coisas acontecem de verdade e o quão pouco sabemos ou podemos fazer diante disso. 

O próximo choque foi conseguir encaixar a fábula de Orwell em tantas histórias ocorridas, foi comprovar que de fato, o fascismo é capaz de distorcer qualquer narrativa, independente de sua direção. No entanto, os seus elementos são iguais e sempre são possíveis de identificar. Se a fórmula é assim tão evidente, como podemos evitá-lo?

A resposta sempre será lutar contra a ignorância, porque conhecimento também é poder. Em tempos de tanto acesso à informação, voltamos ao principal motivo de Orwell criar uma fábula tão simples, ilustrativa: a ignorância é mais acessível e está a disposição de qualquer um, por isso é preciso buscar pela verdade, prezar pelo questionamento. A atemporal fábula da revolução dos bichos continua nos ensinando muito, provando-se, mais do que nunca, poderosa e necessária.

Exemplar cedido em parceria com a editora.


Título: A Revolução dos Bichos
Autor: George Orwell
Ilustração: Ralph Steadman
Tradução: André Czarnobai
Editora: Intrínseca
Ano: 2021
Páginas: 240

Desde o seu lançamento, em 1945, A revolução dos bichos se tornou um marco da literatura. Publicado em todo o mundo, vendeu milhões de exemplares e segue vital e relevante até — e principalmente — hoje.
Nesta fábula sobre uma rebelião de animais cansados de serem explorados por seus donos humanos, George Orwell ilustra como uma nova tirania toma o lugar de uma antiga e como o poder corrompe até as causas mais nobres. Depois de se rebelarem na Fazenda do Solar, os animais, liderados por um grupo de porcos, estabelecem um regime igualitário e cooperativo que funciona até alguns bichos começarem a usufruir de mais privilégios do que o estabelecido inicialmente. Com regras que mudam a toda hora, sempre beneficiando quem as cria, a revolução logo se torna uma confusa teia de ordens e tarefas sem sentido, culminando em paranoia, confrontos e dúvidas.
Com dois prefácios do autor escritos em momentos diferentes, esta edição evoca o contexto histórico e social no qual este clássico foi concebido. As ilustrações marcantes de Ralph Steadman, tão dilacerantes e satíricas quanto o texto de Orwell, fazem deste volume uma peça singular, dando visualidade a uma história que não se cansa de ser atual.
Além das ilustrações, há ainda dois textos críticos: o primeiro de André Czarnobai, que discorre sobre como chegou a algumas escolhas em sua tradução, e mais um posfácio inédito do crítico literário José Castello, que esclarece as intenções da obra e aprofunda a biografia do autor, guiando a leitura para além das impressões iniciais que o texto de Orwell provoca.

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