Resenha | Sob a Redoma, Stephen King

“Se você não dá risada quando as coisas dão errado, então ou você está morto ou deseja estar.”

Antes de falar um pouco sobre o livro, vou lançar uma indagação: você seria capaz de identificar um ditador em potencial? Caso sua resposta seja não, tentarei ajudar o máximo possível.  

Se analisarmos a história humana, em todos os casos que surgiu a figura de um ditador foi após uma crise, seja ela ambiental, econômica e como é o caso do livro, sobrenatural.  E em todas as situações, as pessoas pertencentes a uma sociedade ditatorial, necessitavam em sua época de um líder com postura forte. Temos vários exemplos, Hitler, Mussolini, Fidel Castro, aqui no Brasil, os militares, e em Sob a Redoma, o segundo vereador do município, Big Jim Rennie. Para não me delongar muito, posso falar que a figura dos ditadores emerge graças ao seu carisma, seja ela em seus ideais, ou de uma excelente oratória. Após estarem no poder, e ter como objetivo permanecer, começam a criar novas regras, impor medo em seus seguidores, geralmente criando um inimigo que não existe, assim ajudando a justificar o seu posto estar acima dos outros, pois ainda “existe a urgência em eliminar algum mal.” Daria pra citar que um ditador faz o possível para controlar as mídias, que apenas ele fala a verdade, e quem o contraria é um inimigo do povo. Isso entre outros absurdos.

“Um líder covarde é o mais perigoso dos homens.”

Sob a Redoma se passa na pacata cidade de Chester’s Mill, no estado do Maine. É uma cidade fictícia que fica próxima de outra cidade fictícia criada pelo autor, Castle Rock. Os  Estados Unidos adotam um sistema político diferente brasileiro. Lá existem apenas dois partidos, os republicanos, com uma visão mais direitista e conservadora, e os democratas, que seriam a centro-esquerda e com algumas ideologias liberais.  E em algumas cidades, a administração pública fica nas mãos do prefeitos, sem vereadores, ou como é o caso de Chester’s Mill, onde são eleitos três representantes com obrigações parecidas para com o seu povo, ou seja, ali temos três vereadores e nenhum prefeito. Fiquem tranquilos, vou deixar de lado um pouco o lado político. 

Um dos protagonistas da história, Dale Barbara, carinhosamente (ou por simples chacota) apelidado de Barbie, um ex chapeiro de uma lanchonete da cidade, e um veterano da guerra do Iraque, está indo embora da cidade após se meter numa briga com o Junior Rennie e seus amigos. Mas o que ele não esperava era que aparecesse do nada uma redoma em volta da cidade, que impede qualquer de entrar ou sair. Com o surgimento desse fenômeno, acidentes começam a ocorrer, aviões, carros e pessoas que se choquem contra a redoma acabar destruídos ou feridos. E ao contrário do filme Os Simpson, em que o Homer consegue fugir da Redoma que cerca Springfield, quando ele sai de um buraco que dá ao outro lado, aqui o nosso querido King não foi tão querido com seus personagens, não existe uma brechinha sequer para escapar.

“Se os porcos tivessem asas, o bacon poderia ser transportado pelo ar.”

O livro é bem grande, contém aproximadamente 954 páginas, então fica difícil falar sobre a muitos personagens relevantes que aparecem na história. Então vou focar em três deles, que no meu ponto de vista são os mais importantes.

Primeiro vou falar de Dale Barbara, ex tenente do exército norte americano. Após anos passando um inferno na guerra no Oriente Médio, Barbie procurou a paz que as cidades interioranas são capazes de proporcionar. Mas acabou escolhendo a cidade errada, e a hora errada pra abandoná-la. Com a Redoma cercando Chester’s Mill, ele foi escolhido pelo governo americano para ser o líder ali, mas sendo um cara de fora, ele sentia que talvez essa não fosse a decisão mais sensata, e que as coisas poderiam dar errado. O que ele não imaginava era que as coisas dariam errado, mas não do modo como ele pensava.

Julia Shumway é a dona do único jornal impresso da cidade. O Democrata, como é conhecido, foi passado de geração em geração na sua família, e desde que surgiu, nunca deixou de ser publicado. Como o próprio nome do jornal, Julia se considera uma democrata, e seus ideais são contra as de ideologia conservadora, e também contra tiranias (pelo amor de Deus, não to falando que conservadorismo e tirania são as mesmas coisas). Quando o caos impera em Mill, ela encontra em Barbie um ótimo aliado.

E por último, mas não menos importante, vamos falar um pouco sobre James Rennie, ou Big Jim, como ele é conhecido. Ele é o principal vendedor de carros usados da região, e como todo bom vendedor, conta com uma excelente lábia que o ajuda nos negócios e no ramo político da cidade. O segundo vereador da cidade se considera um bom cristão, ou como virou febre falar nos nossos dias, o típico cidadão de bem. Mas o seu eleitorado não conhece sua pessoa de maneira suficiente, por trás desse homem existe um passado sujo e um presente pior ainda. Segredos que se vierem à tona, arruinariam para sempre sua imagem.

Por mais que o livro seja grande, em momento algum a trama chega a ser enfadonha. Pelo contrário. King nos conduz num cenário cheio de suspense, tensão psicológica, inúmeras tragédias, pessoas vis (nunca foi tão fácil odiar tantos personagens), e mesmo não sendo Game of Thrones, um banho de fogo e sangue. Morre um bocado de gente aqui, viu! 

Vi algumas opiniões na internet sobre o final da história, e ao contrário da maioria delas, eu gostei do desfecho e achei coerente de certa forma. O autor foi dando pistas cheias de nuances a partir de 40 % do livro do que poderia ser a possível causa da redoma, então quando o mistério foi revelado, não fiquei decepcionado de modo algum. E mais uma vez, de maneira sublime, Stephen King nos mostra que mesmo com o sobrenatural pairando no ar, os piores monstros são os seres humanos.

“Assassinato é como batata frita: você não pode parar somente com um.”


Sob a Redoma

Título: Sob a Redoma
Autor: Stephen King
Tradução: Maria Beatriz de Medina
Editora: Suma de Letras
Ano: 2012
Páginas: 960

Sinopse: Em Sob a redoma, em um dia como outro qualquer em Chester’s Mill, no Maine, a pequena cidade é subitamente isolada do resto do mundo por um campo de força invisível. Aviões explodem quando tentam atravessá-lo e pessoas trabalhando em cidades vizinhas são separadas de suas famílias. Ninguém consegue entender o que é essa barreira, de onde ela veio e quando – ou se – ela irá desaparecer.
Os moradores de Chester’s Mill percebem que terão de lutar por sua sobrevivência. Pessoas morrem e aparelhos eletrônicos entram em pane ao se aproximar da redoma, e a questão só se agrava quando a cidade se vê exposta às graves consequências ecológicas da barreira. Para piorar a situação, James “Big Jim” Rennie, político dissimulado e um dos três membros do conselho executivo da cidade, usa a redoma como um meio de dominar a cidade.
Enquanto isso, o veterano da guerra do Iraque isolado na cidade, Dale Barbara, é reincorporado ao serviço militar e promovido à posição de coronel. Big Jim, insatisfeito com a perda de autoridade que tal manobra pode significar, encoraja um sentimento local de pânico para aumentar seu poder de influência. O veterano se une a um grupo de moradores para manter a situação sob controle e impedir que o caos se instaure. Junto a ele estão a proprietária do jornal local, uma enfermeira, uma vereadora e três crianças destemidas.
No entanto, Big Jim está disposto até a matar para continuar no poder, apoiado por seu filho, que guarda um segredo a sete chaves. Mas os efeitos da redoma e das manobras políticas de Jim Rennie não são as únicas preocupações dos habitantes. O isolamento expõe os medos e as ambições de cada um, até os sentimentos mais reprimidos. Assim, enquanto correm contra o pouco tempo que têm para descobrir a origem da redoma e uma forma de desfazê-la, ainda terão de combater a crueldade humana em sua forma mais primitiva.

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4 Comments

  1. ANA KAROLINE COSTA DO VALE

    Que livro incrível! Já tinha gostado da primeira vez que li, mas na releitura, foi ainda melhor. Consegui perceber coisas que passaram batidas na primeira.
    É, sem dúvidas, um livro que assusta pelo tamanho, mas que tem uma fluidez que dá uma velocidade à história que é sensacional.
    A enxurrada de personagens dá um nó na cabeça, mas em pouco tempo, já gravamos os nomes dos nossos preferidos e também dos mais odiados (Big Jim, é de você que estou falando!).
    Um dos meus preferidos de Stephen King!
    Excelente resenha, Rogério! Destaque para sua reflexão sobre o surgimento de um ditador em situações de crise.
    Desejo excelentes leituras!

    1. Rogério Augusto

      Obrigado pelos elogios. E quero parabenizar por vc ter relido esse calhamaço, não é pra qualquer um haha.

  2. Jessica Rabelo

    Oi Rogério.
    Eu cheguei a página duzentos do livro e abandonei. Mas não porque não estava gostando, e sim por conta de coisas pessoais. Um dos pontos que mais gostava do livro era a organização social do Chester Mill que ganha vida a medida que se desenrola – algo que já tinha visto em Gone, mas que acredito ser derivada de Sob A Redoma. Certamente, a construção acaba permitindo entender os heróis e os ditadores. Mas principalmente a cidade como um todo.
    Com sua resenha, me animo a voltar a leitura. Espero gostar imensamente. Inclusive do final apesar do que todos dizem.
    Beijos.
    Fantástica Ficção

    1. Rogério Augusto

      Muito bem ressaltado os seus pontos. E espero que possa dar uma chance, e que se prepare pra passar muita raiva com certos personagens. Beijos

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