Resenha | Guerra Sem Fim, Joe Haldeman
Faz muito tempo que eu desejava conhecer Guerra Sem Fim, principalmente com a relação que as pessoas fazem dele com Guerra do Velho, um dos meus livros favoritos de sci-fi. O prefácio é justamente de John Scalzi, revelando que ainda não havia lido Guerra Sem Fim quando escreveu sua história de estreia, e tudo não passou de uma feliz coincidência. Apesar de me surpreender e vibrar em diversos momentos do livro, infelizmente ele também apresentou algumas situações que me incomodaram bastante.
William Mandella está entre os primeiros soldados a serem convocados para lutar contra um inimigo desconhecido. O primeiro contato que a humanidade faz com uma raça extraterrestre não termina bem, pelo contrário. Os impulsos ocasionados pela dificuldade de comunicação entre as raças acabaram desencadeando uma guerra que levaria séculos para acabar. Através de Mandella, acompanhamos o início dessa jornada denominada Guerra Sem Fim.
Toda a empreitada que os soldados realizam é estritamente fatal. Antes mesmo de se verem frente a frente com ao taurianos, nome destinado aos alienígenas, o treinamento se mostra rigoroso, porque eles precisam se adaptar aos equipamentos e lidar com armas complexas e letais. Erros não são permitidos, um único passo em falso pode resultar em diversas mortes.
As viagens são realizadas através dos colapsares, pontos no espaço que funcionam como um buraco de minhoca, que transporta a nave para uma área distante do universo em poucos instantes. É aí onde temos o ponto alto da nossa história, enquanto os soldados passam poucos meses fora da Terra, ao retornar, vários anos já podem ter se passado. Alô, fãs de Interestelar.
Tenho certa inclinação para gostar de ficção científica militar, mas o universo apresentado por Joe Haldeman é consistente e instigante, e foi isso o que mais me empolgou num primeiro momento. Mesmo que as informações dispostas sejam bastante complexas e formam um nó no seu cérebro, o universo é tão sólido que você acredita que tudo faz sentido.
“Após tudo aquilo, passei um longo período repetindo para mim mesmo que não havia sido eu quem, tão alegremente, tinha retalhado aquelas criaturas amedrontadas e em fuga. No século 20, estabeleceu-se, para satisfação de todos, que “eu estava apenas seguindo ordens” era uma desculpa adequada para condutas desumanas… Mas o que fazer quando as ordens vêm das profundezas do inconsciente, que nos governa como marionetes?”
O autor tenta também transportar sua vivência da Guerra do Vietnã para as páginas do livro, por isso há diversas críticas relacionadas a guerra propriamente dita. O maior paralelo está na dificuldade que Mandella encontra de se encaixar novamente na sociedade quando ele retorna para casa. Após dois anos longe, quase trinta se passaram quando ele volta para a Terra. Tudo está extremamente mudado, então ele se vê na difícil tarefa de se adaptar, considerando profundamente a ideia de voltar a se alistar.
No entanto, à medida que Joe Haldeman avança e dá um passo à frente, no mesmo instante ele também é capaz de retroceder dois passos. Apesar do universo fazer nossos olhos brilharem, Joe falha em aplicar alguns conceitos extremamente preconceituosos e estereotipados à narrativa, alguns relacionados às mulheres, mas principalmente com relação aos homossexuais. Eu tentei levar em considerações vários fatores, em especial a época em que o livro foi escrito e cheguei a uma única conclusão: mesmo que ele seja considerado um clássico (não tiro seu mérito por isso), o livro não envelheceu bem.
Talvez essas sejam uma das resenhas mais controversas do blog. Como é possível gostar e não gostar tanto de um livro ao mesmo tempo? Tiveram inúmeras partes onde eu me vi absolutamente sugada pela história, onde qualquer fã de ficção científica iria se deleitar. Em contrapartida em outras partes… eu simplesmente quis fechar o livro e esquecer o que estava ali. Guerra Sem Fim tinha potencial para se tornar um favorito, mas não consegui ignorar o que me tirava da história o tempo todo.
Além disso, o desenvolvimento dos personagens também fica devendo. Nós vemos toda a história através dos olhos de William Mandella, mas em nenhum momento eu me senti próxima de verdade a ele. Talvez isso acontece um pouco nas últimas páginas, mas eu esperava me importar mais com o personagem. O foco da narrativa estava na guerra e em suas estratégias militares, que apesar de serem extremamente interessantes, também havia possibilidade para desenvolver melhor os personagens. Por outro lado, me ver distante deles foi uma estratégia interessante, porque era como se o próprio Mandella estivesse isolado. Em outras palavras, sozinho.
A narrativa também apresentou altos e baixos. Temos um ótimo início, abafado por um miolo arrastado, mas Joe Haldeman reservou o melhor para o final, que é eletrizante. O desfecho ganha até mesmo uma carga dramática bem-vinda, que emociona e encerra muito bem o livro. Tudo isso me fez sentir pela história, porque ela poderia ser muito mais do que realmente é, se não fossem algumas de suas ideias ultrapassadas. Para fãs de ficção científica, se preparem para uma trama que irá proporcionar momentos de puro deleite, mas não se sintam pressionados a ignorar aquilo que realmente incomodá-los.
Exemplar cedido em parceria com a editora.
Título: Guerra Sem Fim
Autor: Joe Haldeman
Tradução: Leonardo Castilhone
Editora: Aleph
Ano: 2019
Páginas: 360
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Sinopse: A história de guerra mais precisa e dolorosamente genuína que eu já li.” William Gibson Quando a humanidade faz o primeiro contato com uma raça extraterrestre, um movimento hostil causa o início de uma guerra espacial que durará séculos. William Mandella, um jovem norte-americano, está entre os primeiros soldados convocados no alistamento obrigatório. Na guerra, ele aprenderá a manusear as máquinas mortíferas mais modernas e a sobreviver ao ambiente inóspito de mundos alienígenas. Além da resistência física, Mandella precisa lutar para sobreviver aos horrores da guerra, em um constante exercício de questionamento sobre seus reais inimigos. A possibilidade de voltar para casa não é uma esperança nem um alento: devido à dilatação temporal envolvida nas viagens espaciais, soldados que passaram poucos meses no espaço descobrem, ao retornar à Terra, que lá a passagem de tempo foi de décadas ou até de séculos. Inspirado na experiência de Joe Haldeman na Guerra do Vietnã, Guerra sem fim se tornou um clássico da ficção científica militar e recebeu os prêmios Hugo, Nebula e Locus. Além de registrar, em uma metáfora cruel, a realidade de uma geração que vivenciou a guerra nos anos 60, Haldeman também abordou temas universais e atemporais, como ufanismo, solidão e as contradições da guerra.
Joyce Santos
Olha eu nem sabia que existia ficção científica militar kkkk.
Vivendo e aprendendo nesse mundo literário.
Seus pontos de vista em relação aos livros são sempre muito sincero, isso é muito bom, e que ótimo que apesar dos altos e baixos o final foi eletrizante.
Bjocas e ótima resenha como sempre.
Isadora Santos
Adoro histórias de guerra e ficção, porém sempre as li separadamente nunca em um livro só!
O livro mesmo tendo os contras que você citou, me pareceu interessante e fiquei com muita vontade de conhecer o universo e provar por mim mesma se realmente gosto desse livro !!
Clube do Farol
Acredita que nunca li nada sobre esse livro antes da sua resenha? Fiquei curiosa pela comparação com Guerra do Velho que você mencionou que fazem, porque quero ler Guerra do Velho desde o ano passado, só não consegui ainda, porque ultimamente não estou conseguindo ler fantasia e nem sci-fi :(.
Mas sobre esse livro… Gostei muito da premissa dele, só fiquei com um pé atrás por causa dos preconceitos que você falou e por causa do desenvolvimento dos personagens, acho que é porque sou do tipo que gosta de se apegar aos personagens como se fossem meus amigos, rs.
Parabéns pela resenha!
Bjo
~ Danii
Eloise
Ei Gisele,
Adorei a resenha, ainda não li nenhum tipo de livro que abordasse uma ficção científica militar e achei a premissa muito interessante e intrigante. Adoro essas tramas que trabalham com viagem no tempo, buraco de minhoca e todas as consequências que isso traz, como no caso de Interestelar. Amo tramas complexas que dá um nó na cabeça, porém acabo assistindo mais filmes do tipo do que lendo livros com este tema. É realmente complicado quando a narrativa vem acompanhado de preconceitos. Eu também faço muito essa análise da época que foi escrito, mas também coloco na balança até que ponto aquilo realmente me incomodou, se dá ou não para passar despercebido. E acho que temos que ser sinceros nessas horas mesmo. Adorei suas impressões e todos os pontos levantados sobre essa leitura. Quero muito conhecer essa trama.
Bjokas da Elo!
http://cronicasdeeloise.blogspot.com/
Liv
Eu tenho muita vontade de ler esse livro, não li muitos sci-fis com temas militares, mas achei muito interessante a ideia do autor tentar passar o que ele vivenciou na Guerra do Vietnã em uma ficção científica. Eu acho meio ruim não conseguir gostar muito do protagonista, mas acho que tendo um final mais eletrizante pode ser uma leitura que vá fluir bem pra mim. Adorei a resenha!
Abraço,
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