Resenha | A Assombração da Casa da Colina, Shirley Jackson
Em determinado momento de nossas respectivas vidas, encontramos pessoas, vivenciamos cenas e estivemos em algum local lúgubre que nos deu aquele arrepio na pele, um mal estar e a sensação de que algo ali está errado, não se encaixa. Quem de nós, quando criança, não teve a tentação de querer adentrar uma casa abandonada, pois ao demonstrar tamanha coragem, teríamos histórias para contar e até nos gabar para outras pessoas.
Agora imagine se em plena vida adulta, com o senso crítico que o amadurecimento nos traz e pensando em todas as consequências possíveis, você recebesse um convite para fugir da monotonia e pacatez que essa mesma vida adulta acaba nos proporcionando. E o convite em questão é nada mais nada menos que passar alguns dias numa casa fora dos padrões de nossa época, aparentando ser feita aos moldes de um século passado e distante, e em torno dela girando histórias que o sobrenatural habita ali. O que você faria? Provavelmente, recusaria. Mas e caso aceitasse, o que poderia acontecer?
Dr. John Montague quer respostas para essa pergunta, e para isso, ele envia correspondências para inúmeras pessoas que em algum momento tiveram relação com o sobrenatural. Apenas duas pessoas respondem ao seu chamado, Eleanor, que quando criança teve experiências com fenômenos poltergeist, e Theodora, uma mulher independente, levando em conta a época em que vivia, e com certo poder sensitivo. Também embarca nessa alçada, o herdeiro da mansão, Luke Sanderson, um homem propenso a certos vícios, corrupto, de caráter duvidoso.
Dr. Montague, que é formado em antropologia e doutor em filosofia, vê nesse experimento a oportunidade para fazer uma pesquisa sobre a sua verdadeira vocação, as manifestações sobrenaturais. E a Casa da Colina é um prato cheio para o seu novo artigo. Construída de forma peculiar por Hugh Crain, a casa vivenciou mortes, conflitos familiares, inveja, suicídios e desejos de vingança. Nunca morou muito tempo por ali, e a sensação de desconforto foi sempre pior ao anoitecer.
“Às vezes as pessoas que nos derrubam nem olham para trás.”
Vemos a maior parte da história sobre a visão de Eleanor, então podemos dizer que ela é a protagonista da história. De todos os personagens, é de longe com a história mais triste. Na infância passou por experiências muito aquém de sua compreensão. Perdeu uma pessoa importante na sua vida, e tem um relacionamento conturbado com a pessoa mais próxima dela, a sua irmã. Pra resumir e não dar spoilers, se você é uma entidade sobrenatural, o que acharia de mexer com a mente de Eleanor?
“(..) jornadas terminam no encontro de amantes.”
Num âmbito geral, gostei muito desse livro. Havia visto por aí algumas críticas negativas, mas ainda bem que minha opinião não é a mesma. A obra tem sim algumas falhas, algo que me irritou um pouco foram alguns diálogos infantis, que não condiziam com a personalidade que os personagens demonstravam ter. Mas em contrapartida, curti o modo como foi trabalhado a questão psicológica na trama, fazendo a tensão se tornar em desequilíbrios capazes de levar a loucura. O final então… me surpreendeu pra caramba. Achei bem ousado.
“O medo, disse o doutor, é a renúncia da lógica, a renúncia voluntária de padrões sensatos. Ou cedemos a ele ou lutamos contra, mas não nos é possível encontrar meio-termo.”
Como vocês devem saber, o livro inspirou a série produzida pela Netflix, “A Maldição da Residência Hill.” Caso tenham lido e queiram assistir, levem em conta que se trata de uma adaptação, inclusive, na primeira linha desse parágrafo, utilizei a palavra INSPIROU. Então por favor, não comparem. Boa leitura a todos.
Título: A Assombração da Casa da Colina
Autora: Shirley Jackson
Tradução: Débora Landsberg
Editora: Suma de Letras
Ano: 2018
Páginas: 240
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Sinopse: Sozinha no mundo, Eleanor fica encantada ao receber uma carta do dr. Montague convidando-a para passar um tempo na Casa da Colina, um local conhecido por suas manifestações fantasmagóricas. O mesmo convite é feito a Theodora, uma alma artística e sensitiva, e a Luke, o herdeiro da mansão. Porém, o que começa como uma exploração bem-humorada de um mito inocente se transforma em uma viagem para os piores pesadelos de seus hóspedes. Com o tempo, fica cada vez mais claro que a sanidade ― e a vida ― de todos está em risco.
“Nenhum organismo vivo pode existir muito tempo com sanidade sob condições de realidade absoluta; até cotovias e gafanhotos, supõem alguns, sonham. A Casa da Colina, desprovida de sanidade, se erguia solitária contra os montes, aprisionando as trevas em seu interior; estava desse jeito havia oitenta anos e talvez continuasse por mais oitenta. Lá dentro, paredes continuavam de pé, tijolos se juntavam com perfeição, assoalhos estavam firmes e portas estavam sensatamente fechadas; o silêncio se escorava com equilíbrio na madeira e nas pedras da Casa da Colina, e o que entrasse ali, entrava sozinho.”
” A história de casa mal-assombrada mais próxima da perfeição que eu já li.” ― Stephen King
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