Resenha | Em Busca de Watership Down – Richard Adams

Quando terminei de ler este livro, após quase um mês de tê-lo iniciado, me senti um pouco traída por Richard Adams. Para quem não conhece, Em Busca de Watership Down é um clássico da fantasia infanto-juvenil da década de 70, que fez e ainda faz muito sucesso. Se você ainda não viu, fiz um post recentemente no blog com algumas curiosidades, aprofundando a introdução do autor que há no livro, que por sinal, é muito interessante.

Vocês devem estar se perguntando por que eu me senti traída pelo autor. Veja bem, Richard Adams criou sua história de forma despretensiosa, com a intenção de entreter suas filhas durante uma viagem longa. Segundo ele, essa é apenas uma história sobre coelhos. Uma história para crianças, apesar de escrita com uma linguagem mais adulta. Richard Adams mentiu. Em Busca de Watership Down pode muito bem divertir as crianças, mas ela também é uma história profunda, que pode ser lida por pessoas de todas as idades.

Em Busca de Watership Down, em sua superfície, apresenta uma aventura sobre coelhos corajosos que decidem se arriscar a procura de algo melhor. Quinto tem dons premonitórios. Ele é chamado assim por ser pequeno e o último de sua ninhada; o quinto. Quando ele é tomado por pressentimentos ruins relacionados ao lugar onde vive, sua primeira atitude é conversar com seu irmão, Avelã. Juntos, eles tentam convencer o chefe do viveiro a deixarem o lugar, algo completamente fora do comum. Quinto continua perturbado e inquieto depois de ser ignorado pelo chefe, então ele e Avelã decidem agir por conta própria e buscar um lugar seguro para viver, acompanhados de outros coelhos que também se sentiram comovidos pelas visões do pequenino.

O primeiro detalhe que me chamou a atenção foi o quão cuidadoso Richard Adams tentou ser ao criar sua história, mesmo se tratando de uma literatura fantástica. É nítido que ele pesquisou bastante sobre a vida dos coelhos, optando por apresentar algo bem próximo da realidade, explorando as características desses animais com muita veracidade. O autor cria até mesmo algumas palavras próprias para o vocabulário deles, como silflay, o simples ato de ir à superfície comer grama. Com isso, passamos a enxergar a história pela perspectiva dos coelhos com mais facilidade, então percebemos o quão ousada, complexa e longa essa jornada será. A história se mostra tão crível que eu fiquei um bom tempo imaginando se algo assim realmente poderia acontecer. Creio que sim.

 Os personagens demonstram uma evolução muito interessante ao longo da história. O desenvolvimento acontece de forma tênue, sempre depois de uma situação de risco ou aprendizado. Diante do cenário mais desafiador, cada coelho vai mostrando o seu valor – o mais forte, o mais inteligente, o mais corajoso – e aos poucos vamos nos envolvendo e torcendo por eles. O maior exemplo de evolução se vê através de Avelã, que se vê forçado a assumir a liderança do pequeno grupo revolucionário. A princípio, Avelã se esforça para guiar seus amigos e fazer a coisa certa, mas com o tempo sua postura de líder se mostra natural. O meu personagem favorito e também o que demonstra o desenvolvimento mais surpreendente é Topete. Se você está começando essa história, tenho certeza que se sentirá espantado com essa afirmação, mas vai por mim: o coelho imaturo e birrento do início da história, aquele que tinha tudo para ser uma bela pedra no sapato irá te surpreender bastante.

Ainda falando sobre personagens, não posso deixar de registrar a minha tristeza pela ausência de personagens femininas. Não que elas não existem, mas estão presentes apenas no quesito reprodução, para conceber filhotes. Acredito que o autor tenha tentado retratar algo bem próximo da realidade dos coelhos, mas a partir do momento que estamos falando de uma ficção, acho que caberia muito bem algumas personagens femininas dentro da aventura principal. Talvez tenha sido por causa disso que eu demorei para me identificar com os demais personagens.

Apesar de possuir 464 páginas, levei quase um mês para concluir o livro. Ele exibe uma narrativa bastante descritiva e um pouco lenta, o que faz com que você absorva todas as situações da história com muito mais profundidade. E isso é absolutamente necessário, porque a história apresenta tanto críticas sutis, quanto outras mais escrachadas que envolvem coisas como fascismo e opressão. Quando você as percebe fica chocado pela forma com que o autor decidiu inserir tudo isso dentro da trama.

Além das críticas, a história também passa algumas mensagens muito claras, principalmente ligadas à natureza. Uma das mensagens mais significativas é quando o autor deixa claro que a essência cruel dos homens afeta diretamente a vida dos animais a partir do momento que ele decide matar por matar; apenas porque esses bichinhos cruzam o seu caminho. Sentimos isso na pele principalmente quando essa realidade afeta os coelhos que nós aprendemos a torcer tanto para tudo dar certo. Para eles encontrarem um lugar seguro, longe de ameaças, longe dos humanos.

“Ame os animais. Deus deu a eles os rudimentos do raciocínio e da alegria imperturbável. Não os perturbe, não os incomode, não os prive de sua felicidade, não trabalhe contra a vontade de Deus.
– Dostoiévsky, Os Irmãos Karamázov”.

O livro é recheado de momentos de aventura, tensão, ação (de tirar o fôlego) e também situações divertidas. Durante a narrativa temos algumas historinhas dentro da própria história sobre lendas e mitologias que contribuem com o vasto universo criado pelo autor. O livro poderia sim ser um pouco mais enxuto, porque tiveram momentos em que a trama se arrastou um pouco. Mas não desanimem, a história realmente vale a pena.

Depois de tudo isso, acredito que agora vocês entendem o porquê me senti traída por Richard Adams. Sua história é muito mais do que uma fábula para crianças e uma aventura sobre coelhos fofinhos. Ela pode ser lida por pessoas de qualquer idade, porque ela trará uma experiência e um entendimento diferente dependendo do momento em que você a ler, e esse é o poder de um grande clássico.

Exemplar cedido em parceria com a editora.


Em busca de Watership DownTítulo: Em Busca de Watership Down
Autor: Richard Adams
Tradução: Rogério Galindo
Editora: Planeta de Livros
Ano: 2017
Páginas: 464
Skoob | Goodreads | Amazon

SINOPSE: Um dos maiores clássicos de fantasia nos países de língua inglesa, Em busca de Watership Down é uma fábula sombria sobre coragem e sobrevivência. Quando um coelho vidente prevê a destruição da toca onde vive, ele se une a seus amigos para achar uma nova casa. No caminho rumo à mítica colina de Watership Down, enfrentam rivais e armadilhas. Mas, mesmo depois de chegarem e, teoricamente, encontrarem um lugar seguro para viver, precisarão lutar para salvar a colônia vizinha e repopular a própria comunidade. Em busca de Watership Down fala de dominação e opressão, de fascismo e utopia, de mitologia e delírio coletivo, de sentimento de comunidade e de loucura. No Reino Unido, ocupa o segundo lugar entre os juvenis de fantasia mais vendidos do século XX, atrás apenas da saga Harry Potter.
Em 2017, a Netflix anunciou o lançamento de uma série de animação baseada no livro.

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7 Comments

  1. Jacqueline Vasconcelos

    Oi, tudo bem ?

    Nossa, não sei o que faço minha listinha acaba de aumentar e já fui atrás do livro (adicionei aos desejados via Amazon) graças a este post maravilhoso ! Bom, a capa está linda (gosto muito de capas), a sinopse e a proposta está muito intrigante, assim como o gênero fantasia é emocionante. Pelo que você citou sobre o livro ter momentos de tirar o fôlego , percebi que o enredo deve ser muito empolgante e com toda certeza uma ótima dica de leitura .

  2. Jéssica Rabelo

    Oii Gisele.
    Primeiro que essa edição é maravilhosa. Logo eu leria sem problemas.
    Mas acredito que o que mais me atrai é o que mencionou no começo. História despretensiosas são as melhores. Mas se podem ser lidas por diversas idades, com certeza é um impulso a mais. Ainda mais porque não esperamos e costuma ser surpreendente.
    Gihhh! Eu vou acabar lendo só livros que você indicar.
    Beijos.

    Blog: Fantástica Ficção

  3. Amor pelos Livros

    Oie,
    Primeiro que compraria só por conta dessa capa maravilhosa kkkkkkk, segundo que sua resenha me cativou e ele com certeza entra para minha lista, estou com um pouco de receio de também demorar para ler, porque tenho problemas com histórias que se arrastam… geralmente não a termino. kkkkkkkk
    Amei a indicação.

  4. Eloise

    Oi Gisele,

    Como sempre resenha espetacular. Tenho um enorme interesse de ler esse livro, já vi outras pessoas comentarem sobre e sou fascinada por essa capa maraviwonderful, mas você me convenceu em comprar esse livro logo e parar de enrolar hahaha
    A primeira coisa que eu pensei, quer dizer a primeira pessoa que eu pensei quando você disse que não é um livro apenas para crianças mas para adultos foi o Neil Gaiman, ele , pra mim é esse tipo de autor que vc descreveu. Mas enfim não estou comparando hahaha pois nem conheço a escrita de Richard Adams, mas achei esse aspecto interessante <3

    Gosto quando o autor consegue fazer criticas e mensagens em suas tramas de forma sutil e nos convencer daquele universo fantástico. 😀

    Fiquei com uma imensa vontade de ler!
    Lindas fotos!
    Bjokas da Elo!
    http://cronicasdeeloise.blogspot.com/

  5. Viviane Almeida

    Olá, tudo bem? Que resenha linda, estou emocionada com as suas palavras e querendo muito realizar a leitura desse livro. Apesar de você afirmar que ele é um “clássico da fantasia da década de 70” eu nunca tinha escutado falar nada sobre esse livro, nem mesmo uma resenha e estou muito chateada por isso..rs! Chateada principalmente, porque alguns livros não muito interessantes, tem uma divulgação impressionante em cima deles enquanto outros, como Watership demoramos anos para conhecê-los.

    Beijos e Abraços Vivi
    Resenhas da Viviane

  6. Tatiana Castro

    Olá!
    O que seria de nós leitores se os autores não quisessem agradar aos filhos…kkkk. Tolkien escreveu O Hobbt como história infantil para ler para os filhos e acabou por influenciar tudo o que conhecemos como fantasia hoje em dia. Outra curiosidade é que personagens femininos quase são inexistente em toda a obra de Tolkien também.
    Bjs!
    gatitaecia.blogspot.com.br

  7. Joyce Santos

    Ahhh que lindo, compraria esse livro somente por essa capa de coelhos, amo de paixão esses bichinhos e agora sabendo que esse livro se trata de animais, agora é que já quero mesmo, vou anotar aqui sua dica, já vai para a lista dos desejados. Amei sua resenha, bjocas.

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