Motivos para ler e não ler O Fim da Eternidade, Isaac Asimov

O título é controverso, assim como a minha opinião sobre o livro. Eu amei e odiei O Fim da Infância com a mesma intensidade, consegui me reencontrar com as ideias geniais de Isaac Asimov, mas em contrapartida também me esbarrei com o seu pensamento conservador e misógino.

Acredito que não seja mais surpresa para ninguém que o autor Isaac Asimov possuía um comportamento problemático com relação às mulheres. Além de misógino, ele também tem inúmeras acusações de assédio no histórico. Quando me deparei com essa informação, além de chocada fiquei muito triste, porque era um autor que eu estava aprendendo a apreciar. Entretanto, saber disso foi muito positivo, porque consegui ter um olhar muito mais aguçado com relação às suas obras, um olhar que não estava tão atento assim antes.

O Fim da Eternidade é o livro perfeito para mostrar os dois lados do autor, o que eu aprendi a gostar e também o lado que me frustrou. Como resultado, o livro me proporcionou diversos sentimentos controversos, por isso decidi trazer uma opinião bastante sincera, com motivos para vocês lerem e não lerem esse livro.

MOTIVOS PARA LER

#1 UNIVERSO

Acho incrível a capacidade do autor de criar cenários abundantes. Se o assunto é viagem no tempo, nós não só nos deparamos com o século 30, 500 ou 1.000, ele vai muito mais além. Imagine só entrar em um elevador e através dos botões definir qual século será seu destino, podendo saltar do século 50 ao 50.000 em poucos instantes. Neste cenário, nós lidamos com a eternidade, uma espécie de departamento responsável por colocar a humanidade nos trilhos. Através das viagens no tempo, seus técnicos podem realizar mudanças de realidade que podem afetar bilhões de pessoas, mas a ideia é sempre pensar no melhor cenário possível, com o menor número de danos. É sobre essas ideias mirabolantes que eu falo, no qual o início da história nos possibilita vislumbrar uma realidade tão distante, mas ao mesmo tempo possível.

#2 GENIALIDADE DO AUTOR

Por acompanhar a história sob a perspectiva exclusiva de Harlan, eu me vi sendo enganada em diversos momentos. Tudo parece fazer muito sentido sob a ótica do personagem principal, mas a história surpreende em diversos momentos. Toda vez que a trama ganhava um novo sentido e por consequência um vislumbre do que estava por vir, fui surpreendida com mais uma reviravolta. O mais interessante é que as reviravoltas utilizadas pelo autor não cansam, porque tudo faz muito sentido. Ele exibe e oculta as informações na dosagem ideal para te guiar pelo caminho incerto, depois além de revelar a verdade ainda prova que ela sempre esteve lá.

#3 REFLEXÕES

Histórias de ficção científica, no geral, são feitas para nos fazer especular sobre o futuro da humanidade. Quando há o elemento de viagem no tempo e suas consequências, as reflexões são sempre muito interessantes. No entanto, o autor nos incita a refletir sobre nossos comportamentos diante de um bem maior e seus possíveis danos. É sempre muito difícil reconhecer que a humanidade precisa passar por diversas dificuldades e crises para alcançar a evolução, e isso vai sendo abordado com muita sutileza no decorrer da história, mas ganha profundidade à medida que nos aproximamos do desfecho. Foi uma das formas mais bem trabalhadas sobre o assunto que já vi na ficção.

MOTIVOS PARA NÃO LER

#1 HARLAN

Não é difícil odiar Andrew Harlan, o protagonista da história. Desde o início ele se mostra um personagem bastante egoísta e frio, este último fruto de sua função no trabalho. Um técnico precisa ser naturalmente impassível e não demonstrar muito interesse em bens materiais, tudo isso para que ele possa viajar entre os séculos sem causar alarde por onde passa. Além disso, ele deixa claro que facilmente é capaz de colocar toda a eternidade em risco por causa de Noÿs Lambent, a mulher por quem ele é apaixonado. Suas ações mudam constantemente, mostrando como ele é instável, impulsivo e capaz de fazer qualquer coisa instigado por motivações pessoais, demonstrando o oposto de alguém com uma importância e um cargo como o seu deveria ser.

#2 COMPORTAMENTO PROBLEMÁTICO

Mas não é só isso. Harlan conseguiu se mostrar ainda mais repulsivo, e foi aí onde enxerguei o próprio autor no personagem. Quando conhece Noÿs, ele claramente fica abalado e não sabe como reagir. O seu interesse nela é óbvio, então ele começa agir em negação e isso inclui rachaçá-la ou tratá-la muito mal, em toda oportunidade possível. Ele estava direcionando à personagem um ódio que ao meu ver foi injustificado. Essa nada mais é do que uma ideia ultrapassada, que ficou para trás graças a sua raiz problemática. Se alguém te trata mal, a última coisa que você deve considerar é que ela gosta de você. O que nos leva ao próximo tópico.   

#3 PENSAMENTO CONSERVADOR E MISÓGINO

Está claro que o meu problema com o autor é o seu pensamento conservador, utilizando comportamentos ultrapassados e problemáticos como motivação dos personagens, e também a misoginia. No departamento da eternidade, ele ressalta mais de uma vez que lá não trabalham mulheres por sua falta de capacidade. Quando Harlan se encanta por Noÿs, ele justifica que ela é diferente das outras mulheres por gostar de livros sobre economia. Esses são apenas alguns exemplos das ideias ultrapassadas que o autor utiliza durante a história, o que me provocou muito desconforto e frustração.


É possível que em uma mente brilhante também habite pensamentos retrógrados e problemáticos. Mesmo hoje vemos diversos exemplos de autores com obras que encantam gerações, mas são provenientes de mentes que não são capazes de evoluir e aceitar as diferenças. Você pode querer justificar que o pensamento de Asimov seja fruto de sua geração, e pode até ser que seja. Mas é através dos seus comportamentos problemáticos, de assédio e desrespeito com relação às mulheres que evidenciam tudo isso.

Pretendo continuar lendo os livros do autor com a condição de avaliar as suas histórias sob uma lente crítica, problematizando o que há para problematizar. É por esse exato motivo que recomendo O Fim da Eternidade da mesma forma que também não recomendo, com essas grandes ressalvas. Espero que você encare o livro já sabendo o que está por vir e não se deixe velar pelo brilhantismo do autor.

Exemplar cedido em parceria com a editora.


O Fim da Eternidade

Título: O Fim da Eternidade
Autor: Isaac Asimov
Tradução: Susana Alexandria
Editora: Aleph
Ano: 2019
Páginas: 256
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Sinopse: De forma leve e bem-humorada, Asimov realiza questionamentos ainda bastante contemporâneos, como o comodismo do ser humano, sua evolução perante as outras espécies e a busca incessante do controle sobre a vida dos outros. A obra também propõe reflexões sobre o nosso comportamento diante das necessidades pessoais e as situações que envolvem um bem maior.
No romance, o leitor é apresentado a Andrew Harlan, um Eterno, membro de uma organização que monitora e controla o Tempo. Um técnico que lida diariamente com o destino de bilhões de pessoas no mundo inteiro: sua função é iniciar Mudanças de Realidade, ou seja, alterar o curso da História. Condicionado por um treinamento rigoroso e por uma rígida autodisciplina, Harlan aprendeu a deixar as emoções de lado na hora de fazer seu trabalho. Tudo vai bem até o dia em que ele conhece a atraente Noÿs Lambent, uma mulher que faz com que ele passe a rever seus conceitos em nome de algo tão antigo quanto o próprio tempo: o amor. Agora ele terá de arriscar tudo – não apenas seu emprego, mas sua vida a de Noÿs e até mesmo o curso da História.
Tido como um dos melhores trabalhos de Asimov, este clássico nos mostra mais uma vez por que o Bom Doutor é considerado o grande mestre da ficção científica moderna.

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2 Comments

  1. KK

    Também me incomodou o fato do Harlan ter se apaixonado loucamente tão rápido pela Noys.. E ai ter sido impulsivo, feito o que fez, por algo que me pareceu um pouco forçado.. Entendo que não é um livro focado no romance, mas acho que o autor devia ter desenvolvido um pouco mais essa parte… No fim do livro, me contive com o pensamento de que “bom, tudo era planejado, então devem ter escolhido harlan justamente por ser um solitário que passaria a amar uma mulher simplesmente por ela ter lhe dado bola.. Sei lá. O que você acha?

  2. Sybylla

    Confesso que minha entrada no universo literário da ficção científica foi por Asimov e seu maravilhoso conto O Homem Bicentenário. Descobrir que ele era abusador de mulher me acertou na cara e acabou abrindo os olhos para a falta crônica de mulheres em seus livros e os estereótipos daquelas que existem. É complicado ler seus livros com esse novo olhar e não enxergar os problemas nos enredos.

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